O que atrai e o que desafia a vinda de empresas para o RS?

O avanço do coronavírus chacoalhou a economia, mas não impediu que empresas fizessem movimentos de expansão. Durante a pandemia, o Rio Grande do Sul assistiu à abertura de operações em diversos setores. Por outro lado, houve casos de investidores que optaram por cruzar o Rio Mampituba, anunciando novas unidades em outros Estados. Diante da situação, resta pelo menos uma pergunta: afinal, o que atrai e o que desafia a vinda de negócios para o mercado gaúcho?Segundo economistas e empresários consultados por GZH, cada companhia tende a levar em conta aspectos muito específicos na hora de escolher onde investir. Mas, de maneira geral, indicadores de padrão de vida mais elevados do que a média nacional, mão de obra qualificada e rede de universidades e parques tecnológicos jogam a favor do Rio Grande do Sul. O Estado é dono do quarto maior Produto Interno Bruto (PIB) do país, atrás de Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo. No sentido contrário, existem gargalos históricos que desafiam investimentos. Entre eles, os riscos nas contas públicas, que geraram pressão na área tributária e dificultaram melhorias em infraestrutura. A localização mais distante de regiões como o Sudeste, em relação a Santa Catarina e Paraná, também pode transferir investimentos.— Falar de impostos é chover no molhado, mas é importante. Por que Estados como Santa Catarina e Paraná podem ter condições melhores nessa área? Porque tiveram pressões menores de previdência e funcionalismo em seus orçamentos. Isso libera espaço para a realização de investimentos e, goste-se ou não, de guerra fiscal — analisa o economista Gustavo Inácio de Moraes, professor da PUCRS.

Para enfrentar restrições nas finanças, o governo Eduardo Leite aposta em uma agenda de reformas, concessões e privatizações. Em 2019 e 2020, o Piratini conseguiu, por exemplo, aprovar mudanças administrativas e previdenciárias— O ponto-chave é que o Rio Grande do Sul precisa continuar em busca de reformas —pontua Ronald Krummenauer, CEO do Transforma RS, movimento de entidades empresariais que discute o desenvolvimento gaúcho.

No ano passado, quase 202,4 mil empresas abriram as portas no Estado, enquanto 74,2 mil foram extintas, indica balanço do Ministério da Economia. Não há, por ora, levantamento específico sobre investimentos que chegam ou partem do mercado gaúcho.

Em 2020, uma das apostas mais emblemáticas no Estado envolveu a Amazon. A gigante do comércio eletrônico instalou centro de distribuição de produtos em Nova Santa Rita, na Região MetropolitanaA empresa que detém o terreno aportou cerca de R$ 50 milhões nas instalações para viabilizar o desembarque da multinacional.

Em nota, o diretor de operações da Amazon no Brasil, Ricardo Pagani, relata que o Estado é "importante para a malha logística" do país. "Embora não possamos entrar em detalhes sobre as decisões estratégicas, podemos dizer que este novo CD ajuda a aproximar ainda mais os produtos da Amazon dos clientes do Rio Grande do Sul, e que as novas estruturas contribuem para encurtar os prazos de entrega, não só em caráter regional, mas em todo o país", completa.

Antes da confirmação da Amazon, o Estado amargou perda de investimento no mesmo segmento. Após sinalizar a instalação de centro de distribuição em Gravataí, o Mercado Livre desistiu da operação em junho. À época, a gigante relatou não ter chegado a acordo em tratativas com o governo estadual. 

Santa Catarina foi escolhida para receber centro logístico da marca. Na ocasião, a Secretaria da Fazenda de SC informou que atendeu à empresa, com "regime especial solicitado". Mesmo sem a instalação em Gravataí, o Mercado Livre afirma que "enxerga o Rio Grande do Sul como mercado importante para seu negócio". 

"Temos operações logísticas em Porto Alegre e outros municípios gaúchos e estamos em constante análise de investimentos na região, levando em conta critérios estratégicos da companhia", acrescenta.

Equilíbrio fiscal é fundamental, diz secretário

A melhora no ambiente de negócios gaúcho passa por medidas que reduzam a pressão sobre os cofres do Piratini, avalia o secretário estadual de Desenvolvimento Econômico e Turismo, Rodrigo Lorenzoni. Nesse sentido, o secretário relata que o governo Leite aposta em uma agenda de reformas, concessões e privatizações.

— Cabe ao Rio Grande do Sul se reorganizar como Estado. Isso faz com que a gente tenha grandes empresas, como Amazon e Santander, se instalando aqui. Ainda estamos longe do melhor ambiente de negócios possível. Mas a primeira coisa é buscar construir o equilíbrio fiscal — aponta. O Estado fechou 2020 com déficit seis vezes menor do que o registrado no ano anterior. O resultado é atribuído, principalmente, ao socorro federal em meio à pandemia e às reformas administrativa e previdenciária.

Na visão de Lorenzoni, os gaúchos apresentam atrativos como a rede de universidades e parques tecnológicos, capaz de formar e absorver profissionais qualificados. Na contramão, além das dificuldades fiscais, gargalos na infraestrutura de rodovias são desafios para os negócios, completa o secretário.

Perda de ritmo

De 2003 a 2017, o PIB gaúcho cresceu 30%, desempenho que superou só o do Rio de Janeiro (23%). O dado consta em estudo da Federação das Indústrias do Rio Grande do Sul (Fiergs) no primeiro trimestre de 2020.

— O Estado não perdeu totalmente seu espaço na economia. O que aconteceu foi o seguinte: muitas vantagens diminuíram. O Rio Grande do Sul não perdeu isso em termos absolutos, e, sim, em termos relativos — explica o economista Pedro Dutra Fonseca, professor da UFRGS.

Segundo ele, o Rio Grande do Sul coleciona grandes atrativos na área da saúde, com hospitais reconhecidos, além de universidades de qualidade e indústrias de referência. Os gaúchos, por outro lado, amargaram recuo em indicadores do Ensino Fundamental nas últimas décadas, o que representa obstáculo para o desenvolvimento, lembra o professor.

— Ao longo do tempo, o Estado criou determinados clusters. Tem o setor coureiro-calçadista, a indústria de alimentos, o polo metalmecânico. São fatores com os quais o Rio Grande do Sul conta em sua história — pontua Fonseca.

Há, ainda, o desafio demográfico. Com menor número de nascimentos e mais idosos, os gaúchos têm de avançar em produtividade para não perder fôlego na área econômica, sinalizam analistas. Em 2019, a população teve crescimento vegetativo de 45,4 mil habitantes, o menor nível de série histórica iniciada em 2000. 

O dado corresponde à diferença entre 134,5 mil nascimentos e 89,1 mil mortes, segundo estudo divulgado pelo Departamento de Economia e Estatística (DEE) em setembro.

Fatores favoráveis

1) Padrão de vida e potencial de mercado

O Rio Grande do Sul tem um dos principais mercados consumidores do país. Joga a favor dos gaúchos o fato de a renda local ser superior à média nacionalEm novembro, o rendimento efetivamente recebido pelos trabalhadores foi estimado em R$ 2.413, em média, no RS, conforme o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Ou seja, ficou 9,4% acima do valor no país (R$ 2.205).   

— Vale destacar que o Rio Grande do Sul preserva qualidade de vida — aponta o economista Gustavo Inácio de Moraes, professor da PUCRS.

2) Rede de Ensino Superior

Universidades do Estado costumam figurar nas primeiras posições de rankings que avaliam o Ensino Superior. Na visão de analistas, a presença de instituições renomadas contribuiu para a formação de mão de obra qualificada, o que chama atenção de investidores.       

— Há mão de obra qualificada no Estado. Isso se torna um atrativo — destaca o economista Marcos Lélis, professor da Unisinos.

3) Tradição e negócios inovadores

Ao mesmo tempo em que é referência em setores tradicionais, como parte da agropecuária e da indústria, o Rio Grande do Sul vê negócios nascerem já voltados para a área tecnológica. Prova disso é que o Estado tem o terceiro maior número de startups do país – 948, indica ranking da Abstartups.  

CEO do Transforma RS, Ronald Krummenauer também destaca a existência de parques tecnológicos junto a universidades. A proximidade entre setores tradicionais e a área de inovação pode resultar em oportunidades de negócios, avalia. Ambos podem atuar na superação de "elos faltantes" das cadeias produtivas, diz. Ou seja, podem desenvolver produtos e serviços que hoje não estão disponíveis no Estado.

4) Vizinho do Mercosul

A localização gaúcha pode ser um atrativo para empresas com plano de exportações para Argentina, Paraguai e Uruguai. A proximidade com os vizinhos do Mercosul tende a gerar ganhos logísticos. Contudo, a Argentina, principal parceira do Brasil no bloco econômico, vive forte crise econômica nos últimos anos, o que desafia os negócios.

Fatores contrários

1) Distância do centro do país  

Estar na ponta do mapa brasileiro traz, por outro lado, desafios ao Rio Grande do Sul. É que o Estado está mais distante do centro do país, se comparado a Santa Catarina e Paraná, por exemplo. Ou seja, maiores custos logísticos podem virar gargalos na hora de decidir por novos investimentos.

2) Restrições fiscais

A penúria das contas públicas representa um dos principais entraves gaúchos. Marcos Lélis, professor da Unisinos, ressalta que a situação acabou enxugando o potencial do Rio Grande do Sul para fazer investimentos em áreas cruciais ao desenvolvimento econômico. Entre elas, a de infraestrutura.

3) Gargalos em infraestrutura     

Dificuldades nessa área motivam queixas no meio empresarial. Obras como a da ampliação da pista do aeroporto Salgado Filho, em Porto Alegre, são aguardadas há anos, porque podem facilitar o transporte de mercadorias – a extensão depende do fim da remoção de famílias que vivem perto do terminal. 

Outra demanda histórica é a duplicação de rodovias. Para isso, o governo estadual aposta em concessões de estradas à iniciativa privada. Em dezembro, o Consórcio Via Central venceu o leilão da RS-287. O edital de concessão, válida por 30 anos, prevê investimento de R$ 2,7 bilhões.

Diante das restrições nas finanças públicas, uma alternativa ao Estado é seguir em busca de atração de capital externo, avalia Gustavo Moraes, economista e professor da PUCRS. O consórcio que administrará a RS-287, por exemplo, é liderado pelo grupo espanhol Sacyr.

4) Impacto tributário 

As dificuldades fiscais também tiveram reflexos na área tributária nos últimos anos, com a majoração de alíquotas do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). Em 2020, o governo estadual chegou a propor uma reforma tributária, mas enfrentou resistência e resolveu retirar o projeto de discussão. Há expectativa de que uma possível reforma volte a ser debatida neste ano.

No aguardo da vacina em 2021

Depois de atravessar um ano de turbulência, a economia gaúcha depende do avanço da vacinação contra a covid-19 para se recuperar em 2021. A imunização em massa é peça fundamental para diminuir restrições a atividades e, assim, estimular setores como o de serviços, que precisa da circulação de consumidores.

Além de incertezas relacionadas à pandemia, o fim do auxílio emergencial e a possibilidade de nova estiagem surgem como riscos no horizonte do início deste ano. O trio de ameaças foi citado em recente estudo do Departamento de Economia e Estatística (DEE). O órgão é vinculado à Secretaria Estadual de Planejamento, Governança e Gestão.

— Na pandemia, a sensação é de que a maioria das empresas está vivendo um dia de cada vez, está esperando para ver o que vai acontecer. Espera-se que a vacina emplaque a partir de março, embora existam dúvidas, além da incerteza do clima. Quando falamos de investimentos, as empresas não pensam em seis, sete meses. Pensam no horizonte de 10 anos — frisa o economista Marcos Lélis, professor da Unisinos.

No ano passado, o Rio Grande do Sul viveu período de dupla dificuldade. A partir de março, a pandemia provocou restrições à operação de empresas. Não bastasse o impacto da covid-19, o Estado também amargou estiagem na largada do ano passado. O resultado foi um tombo de 13,7% no PIB do segundo trimestre. É a maior retração de uma série histórica com dados desde 2002.

Em seguida, o PIB, que representa a soma das riquezas produzidas pelos gaúchos, teve reação parcial. No terceiro trimestre, confirmou alta de 12,9%, a maior da série em termos percentuais. O resultado consolidado de 2020 ainda não foi divulgado. 


Fonte: https://gauchazh.clicrbs.com.br/economia/noticia/2021/02/o-que-atrai-e-o-que-desafia-a-vinda-de-empresas-para-o-rs-ckkssav8z00a6019w3zxpuclp.html

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